Cicloviajante Buencamino

Cicloviagem no circuito Vale Europeu

Eu e meu filho sempre pedalamos juntos.

Nas primeiras vezes, foquei em externar as minhas experiências sobre a bicicleta, cuidados gerais, e principalmente, os riscos – aspectos que certamente passam pela cabeça de todo pai ou mãe de futuros aventureiros. 

Com o tempo, convidei meu filho, já com boa resistência e habilidade, para um passeio longo de aproximadamente 70 km, saindo de Curitiba até a cidade de Morretes, pela maravilhosa e centenária Estrada da Graciosa. Prontamente aceitou, e assim os desafios de trechos mais distantes começaram. Evoluímos em relação às distancias, à resistência e à habilidade.

Anos se passaram até que eu recebesse o seu primeiro convite para uma cicloviagem com a sua família. Já casado e com três filhos pequenos, confesso que achei um tanto quanto ousada a proposta, pois as gêmeas mais novas tinham apenas um ano e três meses de idade, sendo que a família encararia um desafio de mais de 300 Km com muitas subidas e decidas. Para justificar a minha ausência em casa e também acalmar a vovó coruja, lancei uma proposta para minha esposa de estar por perto para zelar por todos, caso fosse preciso, porém, no fundo, sabia que eles davam conta e que também precisavam desbravar aquele circuito para conquistar mais confiança, e assim, seguirem com seus planos de vida.

Antes desta viagem, ele também já havia me convidado para outros desafios, como a estrada de Guaraqueçaba, por exemplo. Como não estava com os treinos em dia, ele me propôs fazer o pedal em dois dias, pois sempre alegou que “pedalar deve ser prazeroso, caso contrário, vira penitencia”; e percorremos juntos os mais de 100 km de Morretes até Guaraqueçaba, via PR 405. Foi memorável, pois além da boa companhia, aprendi muito com ele, e principalmente, tive o prazer de estar junto com meu filho, que tanto amo e admire.

Vamos falar dela: a minha nora, apaixonada por bicicleta desde a primeira aventura em duas rodas, praticada junto ao meu filho. Nunca mais desceu do selim. E foi ela a responsável por comprar o primeiro Bike Trailer, inclusive para lhe fazer uma surpresa ao marido; e também partiu dela a atitude de fazer as primeiras cicloviagens fora do estado, agregando experiências para posteriormente encorajar a todos a pedalar em família – inicialmente, com o Leozinho, meu neto, e depois, a Maju e a Malu, minhas netas gêmeas.

Meu filho herdou o meu senso de organização, e nessa expedição em 2019, ele tinha tudo planilhado: distâncias, altimetria, pontos de apoio, rotas alternativas, contatos de locais, e por ai vai. Diante disso, eu me senti muito seguro em seguir com eles, pois aparentemente não havia um plano sequer que ainda não havia sido explorado ou estudado.

Quando meu filho me apresentou sua minuciosa planilha e o mapa traçado, fiquei fascinado, pois aquilo despertou algo em mim que há alguns anos estava adormecido: meu senso de aventura, de explorar algo que não estava na minha zona de conforto e de quebra, ficar em forma, pois desconheço melhor forma de exercitar o corpo e manter a saúde em dia. 

O percurso com mais de 300 km que passava, na sua grande totalidade, por estradas rurais, era autoguiado, ou seja, teoricamente, qualquer um com o mínimo de capacidade de leitura de placas e capacidade física conseguia realizar, fato que facilitaria a aventura caso perdesse contato um com a  companhia de percurso – a algo que não é difícil de acontecer quando pedalamos acompanhados. Bastava seguir as setas amarelas, placas orientativas, que tudo daria certo.

Cabe lembrar que este circuito foi o primeiro roteiro organizado e planejado para Cicloturismo no Brasil e para a nossa sorte, não ficava tão distante de onde morarmos, possuindo paisagens de tirar o fôlego, atrativos cultuais e pessoas muito receptivas. O legal é que o cicloviajante poderia dimensionar o seu tempo e realizar apenas uma parte do circuito também, ou até mesmo fazer parcelado, como costumamos brincar, tornando possível para a grande maioria que gosta de uma aventura sobre duas rodas.

Nessa expedição, a nossa proposta era encarar o circuito como um cicloviajante, pois éramos autossuficientes, no entanto, por ser a primeira viagem das gêmeas, optamos em passar as noites abrigados, pois não queríamos ainda nos aventurar mais do que o já proposto. 

É muito comum encontrar grupos de aventura, que compram pacotes com Vans, ou até mesmo com as próprias pousadas, para levarem suas bagagens ou prestar apoio, fato este que torna a viagem um tanto quanto mais leve e mais tranquila e de forma alguma tira o brilho do passeio, até porque cada um tem um estilo de pedalar.

Levamos nossas bicicletas e os traillers das crianças até Timbó, onde nos hospedamos e lá deixamos os nossos carros. Após a primeira noite de muita chuva, acordamos para um gostoso café, e em seguida, preparamos nossos alforjes e todo o material de consumo para o dia que enfrentaríamos. Partimos para o nosso primeiro dia de cicloviagem em Família.

Como seria tudo novo para todos nós, por precaução, meu filho fez reserva nas hospedagens com antecedência, onde fomos, sem exceção, sempre muito bem recebidos em todos os estabelecimentos, até porque tínhamos uma anjinha da guarda chamada Arlete Scoz, a qual trabalhava no consórcio do Vale Europeu e se sensibilizou, e comprou nosso projeto. Éramos a primeira família a executar o roteiro de forma auto-suficiente, o que causava certo espanto nas pessoas, pois se tratava de algo fora do comum. 

A Arlete confessou que nos monitorava sem sabermos para garantir que tudo correria bem, e em pouco tempo acabamos virando notícia em capa de jornal e revistas da região do Vale. 

Mal começamos nossa jornada e muitas pessoas nos paravam para ver meu filho e minha nora levando um menino de 3 aninhos e duas meninas com um ano de idade, apenas. E a notícia se espalhou por todos os locais que passamos, paravam-nos para ver as crianças; foi muito gostoso como pai e também avô presenciar esses momentos.

O padrão pelo consórcio seriam 7 dias pedalados, rodando em média 50 km por dia, entretanto, devido ao peso transportado e também a algumas paradas estratégicas em locais para a turminha curtir o passeio, gastamos 12 dias no total, e para ser bem sincero, ficaríamos mais alguns dias ainda se tivéssemos possibilidade, pois tudo estava na mais perfeita harmonia.

Ali, naquele momento, eu me orgulhava de mim mesmo ao refletir sobre como eu podia conhecer lugares lindos e pessoas agradáveis com a minha própria propulsão. Orgulho senti também do meu filho e da minha nora, na capacidade que eles tinham em contornar situações adversas, tornando tudo o mais natural possível, até porque escutamos muitos relatos de papais e mamães que ficaram quase doidos nos primeiros anos de seus filhos, imagine eles com três bebês e ainda de bicicleta, foi demais!

Conhecemos lugares de tirar o fôlego e pessoas que até hoje mantemos contato. É impressionante a capacidade que um pedaço de metal e duas rodas são capazes de proporcionar. Também passamos alguns perrengues, como no dia em que encaramos a tão famosa subida dos anjos. Nesse dia, minha nora teve até dor de barriga, pois imaginava que seria uma cordilheira intransponível, mas tudo se normalizou já nos primeiros metros de ascensão. 

Realmente pedalar não é fácil, nunca foi e nunca será, pois te força a sair da zona de conforto, porém, ao mesmo tempo te desafia. Talvez seja esse o ponto, pois o que seria de nós sem um objetivo?! Por não conseguir explicar o prazer e amor que senti nessa primeira cicloviagem, onde aprendi muito, adquiri muitas experiências e despertando em mim a capacidade de viver novas aventuras, até mesmo em roteiros internacionais como o tão famoso Caminho Francês de Santiago de Compostela, viagem que se transformaria em um e-book, quando descrevo com muitos detalhes e carinho todo a aventura sob a perspectiva de um cicloviajante de 70 anos.

O relato abaixo fiz junto à minha nora e meu filho, para que nenhum detalhe passasse despercebido, e também desta forma, pudéssemos registrar juntos neste blog o que vivenciamos ao longo desses dias.

 A chuva da noite deixou a estrada úmida
E mais subidas para dificultar o final do dia

Dia 16/3/2019 – Etapa 2: Pomerode a Indaial

54,98 Km – Ganho de elevação: 662 metros – Elevação máxima: 330 metros 

Partimos de Pomerode bem cedo. O plano nunca dava certo, pois sempre faltava um detalhe, ou algum integrante da equipe precisava de banheiro e por aí vai. Conseguimos sair sempre próximo das 9h, às vezes um pouco antes ou depois, mas essa era a média.

Zé e Pri já começavam a tirar itens do trailer e da bagagem, pois estavam praticamente preparados para uma viagem de dias longe de mercados e farmácias, porém, o circuito do Vale Europeu não é muito distante de centros urbanos e facilmente se consegue comprar algo que falte ou que tenha esquecido. 

Zé já se encontrava disposto, provavelmente a ansiedade e as noites mal dormidas antes da viagem começar, não lhe fizeram bem, mas de Pomerode para frente e com um pouco menos de peso, parecia que nenhuma subida seria pesada para ele, porém, vendo ele bem, a Pri começou a ficar para trás nas subidas e começou o efeito contrário. Dizemos que o psicológico bate em situações as quais nos vemos menos favorecidos, ela sofreu bastante até encontrarmos um lugar bom para almoçar.

Nesse dia encontramos uma churrascaria, onde a fome parecia ser tão grande que até brincamos que os boizinhos encontrados pelo caminho não seriam mais receptivos conosco. Após subidas intermináveis e muitos quilômetros pedalados, chegamos em Indaial, local onde pernoitaríamos no Hotel Fink. 

Um pouco antes de deslocar para o hotel – caminho para o circuito do dia seguinte –, encontramos um parquinho próximo a uma padaria, combinação perfeita para todos, pois entre um misto quente e um café, a turminha se divertia em balanços e escorregas.

  • Dia 17/3/2019 – Etapa 3: Indaial a Rodeio

30,63 Km – Ganho de elevação: 176 metros – Elevação máxima: 97 metros 

Neste dia, começamos a pedalar mais tarde, pois faríamos apenas 30 km e praticamente plano, sem subidas. 

Tivemos o prazer de almoçar em uma festa da cidade, onde o Vice Prefeito e nossa amiga Arlete nos aguardavam, também ficamos numa pousada em Rodeio mesmo. No caminho, paramos para colher goiabas no pé, passamos por ponte de arames, pontes cobertas e vários outros atrativos que nos saltavam aos olhos. 

Quando se viaja de bicicleta, a percepção aos detalhes aumenta de uma forma indescritível, sendo que cada curva ou estrada de chão nos leva a reflexões sobre o quanto de energia devemos poupar para garantir uma jornada tranquila até a meta do dia, sem esquecer das vezes que gentilmente éramos abordados por curiosos ou entusiastas que perguntavam de que lugar éramos, se realmente eram crianças que estavam ali, entre outras perguntas que adorávamos responder.

Chegamos a Rodeio e a banda tocava para animar a festa da cidade. Opções para comer e brincar não faltavam, além disso, a Arlete nos apresentava para todos, pois ela morava na região e até os cachorros ela conhecia por nome, fato que nos sentimos como se estivéssemos em casa, muito bem recebidos e com muito amor e carinho.

Pousada Quinta da Gávea

Ficamos numa pousada chamada Quinta da Gávea, lugar fenomenal e de uma natureza exuberante, com uma subida que dava vontade de chorar, mas o lugar e a historia compensariam cada metro escalado.

  • Dia 18/3/2019 – Etapa 4: Rodeio a Benedito Novo

19,33 Km – Ganho de elevação: 780 metros – Elevação máxima: 750 metros 

Este foi o dia “D”, de provar para nós mesmos que nosso plano seria possível, enfrentaríamos a maior escalada das nossas vidas naquelas condições. Priscila já amanhecia com dor no estômago, certamente de nervoso, pois depois que o Zé voltou ao ritmo “normal”, ela era a que mais sofria com as subidas. 

Mal começamos a subir e ela despontou, Zé atendendo pedido de banheiro das crianças, ficou para trás, eu e a Pri começamos a travar uma disputa com nós mesmos. Parecia que não teria fim, pois a subida apenas mudava a inclinação e não terminava. Tínhamos tirado o dia todo para escalar os mais de 900 m deste trecho, isso tudo em menos de 16 Km, e assim fomos vencendo metro a metro a tão temida subida dos anjos. 

Assim que avistamos as primeiras imagens de anjos, começamos a pensar que em breve chegaríamos à estatua de Jesus Cristo, onde tínhamos combinado uma longa parada, mas fomos enganados, pois não sabíamos que percorreríamos um bom trecho antes de chegar no tal ponto. E sem nem pensar em desistir ou empurrar, todos nós conseguimos enfrentar, de certa forma, tranquilamente, o desafio, e quando chegamos ao ponto de parada, fomos agraciados com a visita do criador de todas as imagens que encontramos na estrada, sendo que ele curiosamente vinha nos conhecer por nunca ter visto uma família “viajando” daquele jeito. Registramos aquele momento por fotos e eternizamos em nossos corações.

No fim da subida, iríamos pedalar poucos quilômetros até a pousada do Vale, que nos receberia com muito amor e carinho. 

As crianças vibravam ao ver animais pastando e cruzando o pátio da pousada, não queriam nem mesmo se alimentar, para não perderem a oportunidade de tudo aquilo que era oferecido. Foi um dos momentos mais intensos que tivemos com eles, assim como com a família do Rudeney, que tão carinhosamente nos receberam. 

Nesta pousada tivemos várias experiências legais, como a de vivenciar o dia a dia de campo na lida com os animais da fazenda, rachar a lenha para abastecer o fogão mantendo-o sempre aceso. A mais inusitada foi o fato de a família (mãe e Pai do Rudeney) junto ao filho, jantarem connosco, pois se tratava de uma tradição, e esta atitude veio de encontro com o nosso estilo de viajar, já que buscamos não só conhecer lugares, mas também, e não menos importante, as pessoas e a cultura. 

Afirmamos sempre que existe uma segunda viagem dentro de uma outra quando o assunto é pessoas e cultura local. 

Não podemos deixar de contar também do banquete que nos esperava: tudo maravilhoso e delicioso. E não poderia ser diferente, porque existia muito amor e carinho em tudo aquilo.

  • Dia 19/3/2019 – Etapa 5: Benedito Novo a Doutor Pedrinho

23,18 Km – Ganho de elevação: 375 metros – Elevação máxima: 615 metros 

Após toda aquela subida do dia anterior acrescida de um belo jantar, não foi difícil pegar no sono; por alguns minutos ainda conseguimos ouvir grilos e sapos, que insistiam em manter um diálogo contínuo. Léozinho pedia a vigésima oitava história do dia e nós rapidamente, no meio do enredo, já adormecíamos como os anjos que havíamos visto durante todo o dia. Como no sitio é comum dormir e acordar cedo, nossa rotina ali já se igualava aos demais. Não era nem 7h da matina e já nos deliciávamos com mais um delicioso banquete. 

Às 9h todos já estavam apostos, enfrentando mais um dia de pedal.

Este trecho entre Rodeio e Alto dos Cedros, sem dúvida alguma, é um dos mais bonitos de todo o roteiro, e descobrimos depois que isto se estende até Palmeiras também. Encontramos cenários diferentes o tempo todo, mas o clima serrano traz um tempero especial, e ainda demos sorte de pegar dias lindos por ali e não tão frios, pois ainda era meia estação. 

Neste dia, um dos perrengues enfrentados foi as descidas de pedras soltas. 

Seguindo a seta amarela

Quem alguma vez já pedalou carregado, sabe que estas condições exigem certa destreza do ciclista; para quem anda com trailer acoplado à bicicleta, vira perito em segundos, pois rapidamente pode sentir a capacidade de empurrar serra abaixo dessas carretinhas. Haja freio e pneu bom para segurar toda esta inércia!

Além desses aprendizados, as crianças começavam a perceber que as descidas, por serem tão desafiadoras quanto as subidas, seriam divertidas, assim, logo surgiam os pedidos de “queremos mais”.

Foi uma subida desafiadora. Quem pensa em mandar um pedal de Rodeio a Dr. Pedrinho, prepara as pernas, pois até com pouco peso se trata de um baita desafio. Totalmente diferente do habitual, os locais se diferenciam por parte alta e baixa do vale, e isto é facilmente observado pelo tipo de vegetação, construções, morros e, principalmente, o ar mais fresco e o clima mais ameno. 

Mal entramos na rua principal e meus netos já anunciavam a presença de um parquinho, por sorte existia um belo café do outro lado da rua; não nos restavam mais nada para este dia além de curtir o fim de tarde e tomar um bom café.

Hora de brincar
Hora de repor as energias
  • Dia 20/3/2019 – Etapa 6: Doutor Pedrinho a Alto Cedros

20,78 Km – Ganho de elevação: 466 metros – Elevação máxima: 817 metros

A estada em Doutor Pedrinho foi muito bacana. A dona tratava as crianças como netos e não mediu esforços para agradar a todos. Começamos o dia com o tradicional café e já bem alimentados, às 9h todos já estavam curtindo um gostoso ventinho fresco no rosto, e sem pensar muito na bifurcação para região dos lagos, escolhemos seguir via cachoeira do Véu ao invés da Gruta. Zé, Pri e Léozinho já tinham feito este trecho da gruta e gostariam de conhecer a outra opção de acesso para a linda região do Alto dos Cedros.

No início do dia, tivemos a oportunidade de viajar por uma estrada recém inaugurada, com uma boa e nova ciclo faixa; a empolgação estava a mil até a chegada da cachoeira do Véu e não foram muitos quilômetros para chegar até lá, sendo praticamente plano. Porém, após a bela cachoeira, com um ponto de apoio bem bacana, começou mais uma subida, só que desta vez enfrentaríamos sem saber antecipadamente a nossa maior inclinação da viagem – longe de ser a subida mais longa, mas a mais inclinada de todas, e por sorte era de asfalto, o que ajudava muito devido à tração nos pneus para levar todo o peso serra acima.

Trecho de asfalto com ciclofaixa

Aquela foi ardida, mas em poucos quilômetros conseguimos vencê-la. Seguimos na bela estrada, pouquíssimo movimento de veículos com belas e altas paisagens para quem curte este tipo de cenário. No fim de uma leve descida, avistamos de longe uma placa indicando uma estrada rural à direita; ali nos despedimos do asfalto para, então, reencontrá-lo somente no retorno a Timbó. 

A estrada de chão era maravilhosa, boa de rodar, sem muitos buracos e facilmente poderia acertar num retrato, pois o plano de fundo era favorável; isso mudou rapidamente quando encontramos alguns tratores e caminhões, posto que enfrentaríamos um trecho de remoção de pinus, e de quebra, uma ameaça de tempestade desde o início da manhã, resolveu precipitar logo nas condições mais desfavoráveis que encontramos. 

Como podia piorar ainda mais, mal começava a cair gotas gigantes do céu, a bicicleta do Zé foi premiada com um pneu furado. Ali paramos, protegemos as crianças do temporal. Juro que deu vontade de chorar, porque tudo estava um mar de rosa, e quando veio a adversidade, poderia ter sido parcelado e não de uma vez só. 

Zé e Pri formaram uma equipe de fórmula um, e num tempo recorde, a câmara de ar foi reparada e a vida seguiu. A alegria voltava a surgir em nossos corações, até o clima parecia estar dando uma trégua.

Depois da chuva, chegou a vez do barro

Mais à frente o terreno ficou pesado para os dois no plano, e estando mais úmido devido à chuva, deixa o conjunto bicicleta e carretinha bem mais pesado que o comum, além disso, as descidas passaram a ser um desafio extra, principalmente para minha nora que não gostava muito deste tipo de terreno.

Assim chegamos no destino

Eram quase 16h e chegávamos sujos, molhados e esgotados na Pousada das Hortênsias da querida Dona Magali – que mulher mais querida! Nem nos conhecíamos e já foi ajudando no banho das crianças, deixando uma mangueira para fora da casa para lavarmos os alforges e tirar o excesso de barro das bicicletas, e ainda, preparava sopa e café com tudo o que se podia imaginar, parecia que ela sabia exatamente o que precisávamos depois de enfrentarmos um dos dias mais desafiadores.

Muito bem localizada às margens de um belo lago formado por uma barragem da região e cheia de hortênsias, a pousada não era grande, mas extremamente aconchegante, com um fogão à lenha, o qual mantinha a casa aquecida. Além das instalações, a Dona Magali transformava nossa experiência em algo inusitado, ela nos recebia com tanto amor e carinho, que acabamos passando mais de uma noite. Amanhecemos maravilhosamente bem, apesar das pernas estarem constantemente nos lembrando das subidas que enfrentamos no dia anterior. Dona Magali nos ofertou uma noite a mais, alegando que já havia previsto os acontecimentos passados e havia reservado dois dias para nós. 

Quando pedalamos ou praticamos qualquer atividade física com frequência é comum que comecemos a sentir o corpo e a aprendemos a entender seus sinais. 

Concluímos, então, que passar mais uma noite ali realmente seria a melhor opção, além disso minha nora estava a comemorar seu dia de aniversário, assim, logo passaríamos um gostoso dia aproveitando tudo que podíamos na oportunidade, e que dia memorável!

  • Dia 22/3/2019 – Etapa 7: Alto Cedros a Palmeiras 

41,46 Km – Ganho de elevação: 215 metros – Elevação máxima: 685 metros

Assim que tomamos café, o roteiro do dia foi seguir viagem via um atalho que liga Alto dos Cedros a Palmeiras.

Hora de deixar a Pousada das Hortênsias

Nossas pernas estavam ainda se recuperando e percebi que o Zé e a Pri queriam algo mais simples. Eu estava voando baixo, pois comparado com eles, não tinha nem um terço do peso dos alforges deles e uma bicicleta Mountain Bike que me deixava mais leve e mais rápido. Palmeiras chegou em menos de duas horas de pedal; lá estávamos mais um dia abrigados.

Tiago, o Dono do Hostel Palmeiras, recebeu-nos muito bem, ele tinha também um mercado muito bem equipado abaixo do hostel, que nos ajudou a reabastecer, além disso, tinha um restaurante onde teríamos uma bela surpresa. Todos alojados e de banho tomado, vestimos uma roupa para enfrentar o frio, pois a região ainda era alta e fria, congelante para a Pri, e agradável para os demais. Descemos para o restaurante, pois mesmo pedalando pouco, o corpo vinha ainda se recuperando e ao chegarmos lá um casal nos recebeu; num primeiro momento, pensamos que era como um bar de sítio bem arrumado, mas não sei se avisaram nossa chegada, mas o casal proprietário começou a servir um banquete para nós, contendo comidas típicas, feijão e arroz que as crianças tanto gostam, e ainda, frutas diversas. todos quase passamos mal de tanto comer, pois era irresistível não degustar. Entre olhares perguntas sobre as crianças, trailer, bicicletas, virou um agradável bate papo entre nós e os proprietários.

Tivemos que dar uma boa caminhada após aquele belo jantar, mas não era nem 21h e todos já babavam nos seus travesseiros, pois o clima mais fresco e uma boa coberta passava a  ser uma boa combinação para uma ótima noite de sono.

  • Dia 24/3/2019 – Etapa 8: Palmeiras a Timbó

53,85 Km – Ganho de elevação: 719 metros – Elevação máxima: 733 metros

Acordamos decididos a voltar para Timbó e encerrar nossa cicloviagem. À época, a Priscila trabalhava em uma instituição financeira e teria poucos dias para findar suas férias, não fosse isso, estaríamos ainda viajando até hoje. Brincadeiras à parte, precisávamos voltar, Pri e Zé resolveram abortar um trecho de descida um pouco mais técnica entre Palmeiras e Rio dos Cedros, já eu que estava leve, preferi seguir o roteiro normal. 

Saímos juntos logo após mais um banquete, desta vez nos surpreenderam com o café, não desistiam de tentar nos deixar com uns quilos a mais; em relação aos meus netos, não preciso nem dizer, porque saboreavam tudo o que podiam. Poucos metros pedalados e já chegaria a hora de nos separarmos, a família da bike para direita e eu para esquerda, só nos encontraríamos novamente em Timbó, no belo Hotel da Tatiana, que tão carinhosamente, ela e sua equipe nos recebeu, já no primeiro dia.

Este era o meu momento. Aproveitei para me deliciar nas descidas, seria longa e técnica do jeito que gosto; a família também enfrentaria, porém, a dificuldade técnica, mas o desnível seria o mesmo. 

Caminho para Timbó

Eles desceram pelo caminho dos carros e eu pelo acesso rural, logo que o trecho maior de descida findou, abordei algumas pessoas perguntando da turminha, rapidamente me respondiam que sim, haviam visto algo muito diferente e colorido passando, poucas palavras já sinalizavam que eram eles. Próximo a Rio dos Cedros, tomei um caminho que tinha mais um aclive, curto e bem acentuado e ali tive a certeza que a família tomou a decisão correta. Em menos de uma hora depois, lá estava eu reencontrando todos no local combinado.

Claramente percebi que viajar de bicicleta tinha despertado em todos um mundo de possibilidades, seria bem difícil dali em diante não pensar em outros roteiros e opções para vivenciar mais momentos como aqueles. 

Em números foram 9 dias de pedalada e no total 12 de aventuras, percorreríamos 295 Km com mais de 4.570 metros escalados.

Distância pedalada (Km)Ganho de Elevação (m)Elevação Máxima (m)
295,513.8074.444

A Família continua fazendo novos roteiros. O mais novo projeto deles inicia-se em Junho/24, quando serão a primeira Família Brasileira a Cicloviajar de forma autônoma pela América do Sul, percorrendo milhares de quilômetros por quatro países. Todos os detalhes serão contados através de Blog (www.familybike.com), Vlogs no YouTube (https://www.youtube.com/@family_bike) e na rede social @familybike. Eles seguem sempre recheados de sonhos e planos, nada muito diferente de mim, um homem que descobriu a simplicidade de viver sob a perspectiva de um Cicloviajente.

Buen Camino.

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